sábado, 21 de agosto de 2010

eu vou deixar sair.
eu vou deixar sair de mim, eu vou deixar sair em mim.

eu vou deixar sair.
eu já deixei sair. pode sair.

sai.

saiu.
saiu e saiu com a minha permissão.

eu deixei sair.
saiu, não está mais comigo, não é meu.
não faz parte de mim. não está aqui.

saiu. eu deixei.
saiu, foi embora.




eu deixei sair.
finalmente eu pude fazer isso.

saiu, foi embora.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010



"existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. seu focinho é úmido e fresco. eu beijo o seu focinho. quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. a menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. ou não se acerta, mas, uma vez chamando com doçura e autoridade, ele vai. se ele fareja e sente que um corpo-casca é livre, ele trota sem ruídos e vai. aviso também que não deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."

[clarice . uma aprendizagem ou o livro dos prazeres]


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lendo clarice descobri que até ela já tinha teorizado sobre adelaide.

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clarice sobre adelaide: adelaide pra mim é um cavalo preto e lustroso.

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clarice sobre adelaide:
adelaide pra mim é um corpo-casca vazio e doce.

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adelaide sobre o livro de clarice: eu vou superar as últimas dez páginas, clarice. estive pensando e acho que sou a lóri.

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clarice é a melhor amiga de adelaide.

domingo, 1 de agosto de 2010

foi então que ela se lembrou que, meses atrás, já tinha encontrado uma resposta pra isso:


"não sofria mais de febre terçã.
aprendera a digerir paquidermes, a dissolver venenos e envolvimentos até a milésima parte.

depois de tanto peso, se sentia leve.
depois de tanto tempo, se sentia breve.

aprendera a ver cores no cenário preto e branco.
aprendera ouvir música no silêncio da casa vazia.

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ela estava sendo assim como queria ser,
magra, leve e calma.

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criava borboletas do estômago.
as asas que viviam dentro, nas entranhas, ganharam vida externa, foram parar na coluna.
foi então que ela bateu asas e voou."

[19.fevereiro.2010]

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"ela se reconhecia em si mesma e isso era incrível.
a sensação que daí derivava era de alívio.

não sofria mais de febre terçã, aprendera a digerir os seus paquidermes, os seus e os dos outros.
aprendera a entender suas próprias contradições, a olhar para elas de maneira compreensiva.
e entendera que, a despeito dessas contradições, é preciso ter uma postura resoluta com a subjetividade alheia, e com a sua própria subjetividade sobretudo.
a despeito das contradições, dos paquidermes, das vontades mais firmes, dos medos mais paralisadores e das motivações mais sinceras é preciso partir, andar.

se olhava no espelho e se permitia perder-se.
perder-se nos meandros de si, naquilo que possuia de mais íntimo e particular.
a sensação de quase-plenitude que sentia ao se descobrir era azul.
estava feliz. e pela primeira vez em tempos o gosto do ferro que lhe feriu o peito abandora a boca.

o gosto agora era doce.
doce gosto de estar sozinha, diante de si, tão disposta a entender o universo e preenchê-lo de siginificado.

lembrava do cheiro de manjericão, sorriu e bebeu um copo d´água.


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[25.fevereiro.2010]

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as subjetividades não se constroem de maneira evolutiva, elas avançam aos saltos, numa sobreposição de sensações, impressões e significados.
a minha subjetividade é uma colcha de retalhos.
a minha subjetividade é a colcha de retalhos que minha avó fez pra mim quando eu era criança, só fica confortável depois de surrada pelo tempo.
é o tempo quem sempre dá a melhor forma pra minha subjetividade-colcha-de-retalhos.

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